O Gabinete do Dr. Caligari

   
   Olá, queridos! Hoje continuaremos a saga do Expressionismo Alemão com o maravilhoso O Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiene (1920).

   2020 é o ano centenário da obra, que continua surpreendente nos dias atuais, e não por acaso, foi um marco para o auge do expressionismo sendo considerado um dos filmes mais importantes do movimento.

   Dividido em 6 atos, podemos acompanhar a história misteriosa que envolve sonambulismo, assassinato e perseguição. A música contribui demais para a ambientação e para complementar o clima sombrio (juntamente com os cenários), e muitas vezes faz uma sincronia perfeita com os atos dos personagens e momentos pontuais.

(Contém spoilers! Aconselho assistir ao filme primeiro, depois, volte aqui.)

   Ato I: 

   Conhecemos o narrador da história que vamos acompanhar (Franzis/Francis), somos apresentados ao espaço da trama e entendemos a premissa da história a ser relatada: Há uma série de assassinatos quase idênticos acontecendo na cidade, e enquanto esse clima macabro permanece à sombra das pessoas, ocorre a Feira Anual (local de atrações de todos os tipos) e um médico (Dr. Caligari) apresenta um sonâmbulo adormecido há 23 anos que faz premonições em seu espetáculo (Cesare).

   Ato II: 

   Duas pessoas são assassinadas: o amigo do Franzis, Alan e o Secretário Municipal. Ambas com seus "porquês" que incluem premonição e vingança. 

   Uma das cenas que mais gosto neste ato é a do sonâmbulo Cesare acordando. Cada pequeno movimento de seus músculos faciais expressam seu esforço para acordar daquele sono tão profundo. É literalmente um show de expressões! 

   Em certo momento, depois de Alan receber sua premonição, ele sai com Franzis pelas ruas e encontram uma moça (Jane). Os três vão passear e conversar, sequer lembram-se do causo macabro de momentos antes. Os amigos confessam estarem apaixonados por Jane e falam brevemente sobre isso, até despedirem-se. 

   Eis uma reflexão: a paixão/beleza pode nos cegar em momentos de pânico ou embaçar nossos olhos para com a realidade?

   Ato III:

   O Dr. Olfen/Olsen (Pai de Jane) e Franzis suspeitam e vão investigar Caligari e Cesare enquanto um outro suspeito é preso. Nesse momento pensamos: "Prenderam o assassino! Agora vamos saber sobre suas motivações."

   Será?

   O terceiro ato é realmente mais curto, e foca na tristeza dos personagens (é um dos momentos em que a trilha sonora fica mais baixa e melancólica).



   Eu adoro essa cena! Principalmente por causa dos chapéus de formatos diferentes na cabeça de cada homem. (Eis as formas do expressionismo!)

  Ato IV:

   Aqui, descobrimos que prenderam o assassino errado e suspeitamos de tudo isso ter sido um plano para despistar os verdadeiros culpados. 

     Mas (eis o primeiro plot) esse personagem não tinha nenhuma ligação com qualquer outro, seu intuito era que a autoria de seu crime (por sorte, mal sucedido) caísse sobre o "assassino misterioso", até então.
 
   No meio dessa confusão, Caligari e Cesare não são mais os alvos principais da investigação. Em determinado momento, Jane vai à procura de seu pai (que havia saído com Franzis), e encontra os verdadeiros suspeitos na Feira deserta.


   Posteriormente, o sonâmbulo vai à casa de Jane a fim de assassiná-la, mas desiste ao ficar encantado com sua beleza, então, sequestra a moça. (Olhe o contraste de cores nessa cena).

   Ato V: 

   A típica caça de gato e rato. Tudo é bem angustiante e frenético, impossível não ficar vidrado aos acontecimentos.

   Neste ato acompanhamos Franzis perseguindo Caligari, que foge para um hospital psiquiatra e somos surpreendidos com o fato de que ele é o próprio diretor do hospital! (A trilha sonora fica cada vez mais agitada e intensa nesse momento.) 

   Franzis e os médicos encontram um livro sobre sonambulismo datado de 1726 em seu escritório. Eles lêem-no e descobrem a própria narrativa: um místico chamado Caligari percorre feiras na cidade da Itália com um sonâmbulo chamado Cesare, enquanto assassinatos ocorrem. E um diário é averiguado, contendo suas experiências desde o dia que o hospital admitiu um paciente sonambúlico.


   Em suma, Caligari tinha o objetivo de descobrir se poderia controlar o sonâmbulo a ponto dele cometer assassinatos e não recordar-se de nada. E eis que o médico ficou absolutamente obcecado. 

   Sabemos o que aconteceu de fato, certo?

   VI: 

   Ufa, chegamos ao desfecho. Bom, no fim das contas Caligari acabou sendo preso numa camisa de força e deixado numa ala do hospital.

   Que história, ein? 

   Mas, não saia! Ainda não acabou, eis, senhoras e senhores, o PLOT TWIST CARPADO DUPLO!

   Voltamos à cena inicial do filme onde Franzis e seu amigo conversavam. Ambos levantam-se e o ambientes é revelado: o próprio hospital psiquiatra! (Segure-se na cadeira, querido espectador).

   Na verdade, Franzis era mais um paciente que criou toda aquela história em sua cabeça. Acontece uma confusão logo depois, pois ele avança no médico (que acreditava ser o Caligari) e é posto na camisa de força e deixado numa ala. (Ora, ora...)

   E terminamos o filme (agora é sério) com a fala do médico: "Finalmente entendi sua loucura. Ele pensa que sou o místico Caligari! Agora sei exatamente como curá-lo..." 


   Então... Será que tudo não passou de um delírio do Franz ou há coisas suspeitas no ar? Escreva sua opinião nos comentários!




    Segue a análise sobre o filmes, escrita pelo professor de filosofia Fernando Faverani: 

   "O filme traz, nas entrelinhas, uma crítica ao controle e à autoridade sobre os outros — controle exercido, no filme, por Caligari sobre Cesare — para fins de poder. O sonambulismo seria uma alegoria à passividade e ao obscurecimento da razão, visto que Cesare é essa personagem que não consegue refletir sobre as consequências de suas ações.
Considerando o cenário político-social da época (uma Alemanha fraturada pela guerra e lançada às incertezas de um futuro próximo), o filme é, também, uma reflexão sobre a responsabilidade moral e a (falta de) reflexão ética à qual toda ação deveria passar. Gravado pouco mais de uma década antes da ascensão do nazismo, a narrativa levanta a discussão sobre como figuras autoritárias (Dr. Caligari) são capazes de transformar os indivíduos (representados por Cesare) em figuras passivas e coniventes com a barbárie (no filme, representada pelos assassinatos). Outros Cesares surgiriam anos após o filme, como o articulador nazista Adolf Eichmann, que, por ordem dos oficiais nazistas, controlava a rota dos trens que enviavam milhares de judeus aos campos de concentração. Em seu julgamento, Eichmann declarou que apenas cumpria ordens das autoridades alemãs, deixando claro que a "obediência", a "submissão" e a "cegueira moral" são tão insanas e perversas quanto aqueles que determinam as ordens, mesmo quando estes se apresentam como figuras benevolentes, defensoras de um "bem comum". Portanto, o sonambulismo é uma forma de representar uma servidão voluntária capaz de afastar os indivíduos da razão e os aproximar da barbárie e de sua inumanidade (no sentido contrário ao que seria humano). Seria Cesare responsável por seus atos, afinal? Ou somente Caligari é culpado pelas ações de alguém que, hipoteticamente, não pode refletir sobre seus atos? Considerei, também, que o filme é uma visão antecipada do que viria a acontecer sob a ascenção do nazismo e de outros tantos regimes autoritários na primeira metade do século XX." FAVERANI, Fernando.


  Curiosidades cinematográficas: 

   Assim que vi o Dr. Caligari, lembrei do Coringa do Batman:



   E, na cena da morte do Alan, logo pensei na cena do chuveiro em Psicose:



Pois é, queridos amigos, os filmes estão cheios de referências e inspirações! 

Espero que tenham gostado! Até a próxima sessão!



















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