A Mosca [texto de 2020]

A Mosca (1986) - David Cronenberg.


  Definitivamente um dos melhores filmes que vi esse ano. A premissa é quase um clássico dos anos 80: alguém que tenta algo inovador, mas coisas dão errado. E neste caso, o nosso moço inovador é o cientista Seth Brundle, que está trabalhando num projeto de teletransporte.
Este filme foi um super marco na época por conta de seu body horror (terror corporal, voltado à transformações, mutações e outros tipos de violações na figura do corpo humano), então, se você curte o gênero, fica aí a super dica.

  Por enquanto, não vou me ater à história em si, pois gostaria de comentar sobre um trechinho específico.

- CONTÉM SPOILERS-

''Já ouviu falar de política de insetos? Nem eu. Insetos não têm politica, eles são muito, muito cruéis. Sem compaixão, sem acordo. Não se pode confiar num inseto. Eu gostaria de me tornar o primeiro inseto político. Sabe, eu gostaria, mas eu estou com medo de... Eu estou dizendo que sou um inseto que sonhou que era um homem e gostou muito, mas agora o sonho acabou, e o inseto está acordado. Eu estou dizendo que vou machucar você.'' (Transcrição do áudio que fiz da versão dublada do filme. Em aproximadamente 1h17min.)

  Podemos fazer diversas análises do trecho citado, como uma comparação política.
Lembro que na primeira vez que ouvi, o que me intrigou foi essa questão existencial (como sempre, haha). Brandle está perto do fim de sua transformação, sua aparência física mudou radicalmente e pudemos acompanhar isto. Mas, um fator tão (ou mais) importante que sua aparência, é sua mentalidade. 

  O Brandle humano foi perdendo espaço para o Brandle mosca.
  
  Em ''[...] Eu estou dizendo que sou um inseto que sonhou que era um homem e gostou muito, mas agora o sonho acabou, e o inseto está acordado.'' Brandle mostra o conflito entre sua natureza atual (inseto) com o que ele foi e gostaria de voltar a ser (homem).

  A vantagem em sermos humanos, talvez seja o poder de sentir, experienciar emoções, conflitos e ideias, mesmo que isso não nos leve a nada ou que não faça sentido.
Acredito que perdemos nossa ''humanidade'' a partir do momento que negligenciamos nossa capacidade de sentir e refletir.
Brandle perdeu essa capacidade. Mas quem estava a sua volta, não.

  Existir é uma eterna metamorfose...

Escrito em 26/12/2020

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